Eleição na França: Pepe Escobar faz análise equivocada, em seu canal no Telegram, a respeito da vitória da Nouveau Front Populaire!

Eleição na França: Pepe Escobar faz análise equivocada, em seu canal no Telegram, a respeito da vitória da Nouveau Front Populaire! - Marcos Doniseti! 

A 'Nouveau Front Populaire', que reuniu os 4 maiores partidos de Esquerda e Centro Esquerda franceses (Socialista, La France Insoumise, Ecologistas e Comunistas), elegeu a maior bancada do Parlamento francês (182 deputados) nas eleições antecipadas pelo presidente Emmanuel Macron.

Em sua conta no Telegram, o analista Pepe Escobar demonstrou muita insatisfação porque o partido RN (Rassemblement National), de Marine Le Pen, foi derrotado na eleição francesa, escrevendo o seguinte:

"- Voltaire, no seu confortável túmulo, ficará mais do que horrorizado com a orgia autocongratulatória dos meios de comunicação social franceses sobre a 'Frente Republicana' que venceu o 2o. turno. Bem, mais ou menos. 

- O macronismo não está morto – ainda; isso reitera o estado lobotomizado de grandes setores da população. 

- De qualquer forma, a verdadeira votação foi no primeiro turno – vencida pelo RN. Mas o que são águas passadas.

- 'Mobilização civil'. Uma piada. Ambição cega. Mélénchon já está em posição de se tornar primeiro-ministro".

Na sequência, irei comentar cada uma destas afirmações de Pepe Escobar.

1) A reação da mídia à derrota da RN de Marine Le Pen!

É verdade que a mídia francesa comemorou os resultados do 2o. turno da eleição francesa, que terminou com a derrota da 'Rassemblement National' de Marine Le Pen, mas isso também pode ser dito a respeito do Presidente Lula, Cristina Kirchner, Gustavo Petro, Evo Morales e inúmeras outras lideranças e partidos Progressistas mundo afora.

Depois da eleição, Jean-Luc Mélénchon foi recebido com muitos aplausos quando fez uma visita ao Parlamento Europeu, no qual se reuniu com os deputados do bloco Social Democrata.  

Todos que lutam contra partidos, movimentos e lideranças de Extrema Direita ficaram felizes com a derrota da RN de Marine Le Pen e não apenas a mídia francesa.

2) Eleitorado macronista 'lobotomizado'!

Quanto a dizer que o apoio eleitoral ao macronismo representa o 'estado lobotomizado de grandes setores da população', isso é claramente uma agressão contra aqueles que votaram, democraticamente, também, para barrar a vitória de um partido de Extrema Direita (a RN de Le Pen).

Esta é, claramente, uma postura contraditória do analista Pepe Escobar. Afinal, ele vive criticando a Hillary Clinton porque esta disse que o eleitorado de Trump é composto pelos chamados 'deploráveis'.

Então, para ele, não é permitido ofender o eleitorado de Trump, mas o de Macron pode ser ofendido sem nenhum problema? Que piada.

Em uma democracia plural as vitórias e derrotas se alternam e saber respeitar os resultados adversos é o mínimo que se espera de uma pessoa que se pretende civilizada.

O partido de Marine Le Pen foi fundado por seu pai, Jean-Marie Le Pen (ainda está vivo, com 96 anos) em 13/11/1972. Na imagem, vemos os fundadores da 'Front National', nome que a filha mudou para 'Rassemblement National'. Como se percebe pela origem dos fundadores, o Nazismo, a República de Vichy (colaborou com Hitler) e a OAS (Organização do Exército Secreto, paramilitar, de Extrema Direita) estão no princípio de tudo. Racismo, islamofobia, antissemitismo, xenofobia e antiesquerdismo estão presentes até os dias atuais na RN.

E o caráter de Extrema Direita da RN de Le Pen é inegável, pois o partido lançou, nesta eleição, dezenas de candidatos (as) com discursos racistas, xenófobos, islamofóbicos, antissemitas, antiesquerdistas e homofóbicos.

E todos sabem que esse partido, RN (Rassemblement National), é o sucessor da 'Front National', fundada pelo pai de Marine Le Pen, ou seja, Jean-Marie Le Pen, em 13/11/1972. E a 'Front National' tinha vários dos seus membros fundadores com origens nazistas, caso de Pierre Bousquet, que lutou pela divisão Charles Magne da Waffen-SS durante a Segunda Guerra Mundial.

3) Resultado do 1o. turno é que foi o 'verdadeiro'!

Quanto a dizer que o resultado do 1o. turno da eleição é o verdadeiro, isso é uma piada patética. Quer dizer que aquele momento da realidade que entra em contradição com os desejos de Pepe Escobar não tem valor algum? Isso é ridículo.

Afinal, a eleição na França ocorre em dois turnos e não em apenas um, como são os casos do Reino Unido, da Alemanha e da Itália, por exemplo. E no caso da eleição presidencial francesa, essa também é decidida em 2 turnos.

Portanto, nestas condições, fica claro que dificilmente a RN de Extrema Direita de Marine Le Pen vencerá alguma eleição na França, seja para o Parlamento ou para a Presidência do país, enquanto persistirem as circunstâncias atuais, ou seja, nas quais a maioria absoluta do eleitorado francês rejeita as ideias racistas e xenófobas e as políticas defendidas pelo partido de Marine Le Pen.

4) Mobilização da sociedade civil para derrotar a RN de Marine Le Pen!

Pepe Escobar ainda negou, em seu comentário no Telegram, que tenha ocorrido a existência de qualquer mobilização civil para derrotar o partido de Marine Le Pen. 

Oras, inúmeras pessoas, incluindo muitos brasileiros (as), que vivem na França confirmaram que ocorreu, sim, tal mobilização civil, pois muitas pessoas ficaram chocadas com o resultado do 1o. turno e decidiram se mobilizar para convencer o eleitorado a votar contra o partido de Marine Le Pen no segundo turno.

Clémence Guetté (La France Insoumise) e Olivier Faure (Partido Socialista) são os dois nomes cotados para ocupar o cargo de primeiro ministro pelo Nouveau Front Populaire. Mas ainda não tem nada definido.

Jogadores de futebol, como o Mbappé e Raí, que jogou vários anos pelo Paris Saint-Germain, se manifestaram contra a RN de Le Pen, o que, aliás, irritou muito à líder deste partido racista e xenófobo, que defende tratar os estrangeiros que vivem na França como cidadãos de segunda classe, criando um regime de Apartheid, tal como aquele que existiu na África do Sul e também existe em Israel. 

E os eleitores, principalmente os jovens, foram conversar com as pessoas, para que comparecessem e votassem contra Le Pen e seu partido racista e xenófobo.

A cientista política Florence Poznanski, que também é dirigente do 'Partido de Esquerda' e militante da 'La France Insoumise', disse, em entrevista para o canal 'Opera Mundi' (ver link abaixo), no dia 10 de julho, que ocorreu, sim, muita mobilização da sociedade civil e que muitas pessoas que não votavam há décadas acabaram comparecendo para votar e, assim,  criaram-se as condições para derrotar o partido de Marine Le Pen no 2o. turno.

E também é bom ressaltar o acordo fechado entre a NFP e o Ensemble 'macronista', por meio do qual os candidatos de seus agrupamentos políticos que ficaram em 3o. ou 4o. lugar no 1o. turno iriam desistir para apoiar aquela candidatura que fosse enfrentar alguém da RN no 2o. turno.

Desta maneira, 216 candidatos (as), sendo 134 da NFP 82 do Ensemble, retiraram-se da eleição para que a RN pudesse ser derrotada, o que acabou acontecendo, felizmente.

Pepe também deturpou os fatos a respeito de Jean-Luc Mélénchon, afirmando que ele tem uma 'ambição cega' para ocupar o cargo de Primeiro Ministro. Essa afirmação simplesmente não corresponde à realidade.

Na verdade, Mélénchon deixou claro que aquilo que ele defende é o direito da Nouveau Front Populaire de escolher o novo primeiro ministro porque elegeu a maior bancada (182 deputados) para o Parlamento, mais do que o Ensemble de Macron (168 deputados) e a RN de Le Pen (143 deputados). Aliás, essa também é a posição dos outros líderes da NFP. Olivier Faure, líder dos Socialistas, disse a mesma coisa.

E o Mélénchon também afirmou não existe a necessidade de que o primeiro ministro indicado pela NFP seja ele, mas que pode ser outro nome do partido, que elegeu a maior bancada da NFP. Afinal, dos 182 deputados que foram eleitos pelo NFP, a LFI (La France Insoumise) elegeu 75 deputados, os Socialistas elegeram 64, os Ecologistas 33 e os Comunistas 09. 

Mélénchon citou 3 nomes da 'La France Insoumise' que poderiam ocupar o cargo de primeiro ministro, que são: Mathilde Panot, Clémence Guetté e Manuel Bompard.

O jornal francês 'Libération' revelou que representantes de Macron se reuniram em várias oportunidades com Marine Le Pen e Jordan Bardella nos meses anteriores às eleições legislativas. Afinal, sobre o que eles conversaram? Fecharam algum acordo? E porque os representantes de Macron nunca se interessaram em se encontrar com Mélénchon? Será porque Macron sabe que Mélénchon não faz concessões para o Grande Capital Neoliberal? E a Marine Le Pen, fará essas concessões? Ou será que já as fez?

Portanto, não existe nenhuma 'ambição cega' da parte de Mélénchon de querer ocupar o cargo de primeiro ministro. Inclusive, ele disse que deseja ser parte da solução e não parte do problema no momento de escolher o primeiro ministro que a NFP irá indicar.

Na verdade, segundo informações divulgada pelo site 'France.info', ocorreu uma reunião, durante a noite de 09 de julho, entre os líderes dos 4 grandes partidos da Nouveau Front Populaire, e os nomes que foram apresentados para ocupar o cargo foram os de Olivier Faure, do Partido Socialista, e o de Clémence Guetté, da 'La France Insoumise'. 

Portanto, o nome de Mélénchon sequer está sendo cogitado para se tornar primeiro ministro.

A NFP ainda não chegou a um consenso a respeito de quem será o (a) indicado (a) para ser o primeiro (a) ministro (a), mas com certeza o nome do Mélénchon não é um deles, pois ele mesmo sabe da rejeição que o seu nome sofre justamente entre os segmentos mais conservadores do eleitorado e, principalmente, entre o Grande Capital francês.

Aliás, é interessante notar que o macronismo, que é o representante político do Grande Capital francês, aceita conversar com Marine Le Pen e Jordan Bardella, tal como aconteceu nos meses anteriores às eleições, em notícia que foi divulgada pelo jornal 'Libération', mas isso já não acontece quando se trata de Jean-Luc Mélénchon.

Por que será, hein?

Aliás, isso comprova que o grande 'bicho-papão' para o Grande Capital francês não é Marine Le Pen e seu RN, mas Mélénchon e sua 'La France Insoumise'. As Esquerdas mais 'radicais' é que geram temor entre o Grande Capital e não a Extrema Direita de Marine Le Pen.

Portanto, entendo que tudo o que Pepe Escobar escreveu, neste seu comentário sobre as eleições francesas, em seu canal no 'Telegram', está errado.

Eleitoras e eleitores comemoram a vitória, inesperada e surpreendente, da Nouveau Front Populaire nas eleições legislativas francesas. Ocorreu muita mobilização popular em defesa dos valores democráticos, republicanos e de defesa dos direitos humanos entre os dois turnos.

LINKS: 

Entrevista com Florence Poznanski no 'Opera Mundi':

https://www.youtube.com/watch?v=j4UqojXaNXQ

NFP debate a escolha do primeiro ministro:

https://www.tf1info.fr/elections/nouveau-front-populaire-nfp-deux-noms-emergent-olivier-faure-clemence-guette-mais-toujours-pas-d-accord-sur-un-premier-ministre-2308000.html

Composição do Parlamento 2024: 

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/eleicao-na-franca-veja-como-ficou-a-composicao-do-parlamento/ 

Resultados de 2022 - Parlamento: 

https://pt.wikipedia.org/wiki/Elei%C3%A7%C3%A3o_legislativa_da_Fran%C3%A7a_em_2022

Resultados de 2024 - Parlamento: 

https://pt.wikipedia.org/wiki/Elei%C3%A7%C3%B5es_legislativas_francesas_de_2024

Resultado final da eleição para o Parlamento francês. Em comparação com as eleições de 2022 o Ensemble (Macron) perdeu 77 deputados, a NFP aumentou sua bancada em 51 deputados, a RN de Le Pen cresceu em 54 deputados e a LR-Direita perdeu 01 deputado. A divisão em grandes blocos torna muito difícil a governabilidade na França, um país que não tem tradição de governos de coalizão.

Líderes da NFP se reúnem para indicar o primeiro ministro: 

https://www.francetvinfo.fr/politique/nouveau-front-populaire/legislatives-clemence-guette-candidate-potentielle-des-insoumis-pour-matignon_6657615.html

'Libération': matéria de capa mostra que representantes de Macron se reuniram com Marine Le Pen e Jordan Bardella meses antes das eleições:

https://www.instagram.com/p/C9NkGbIIb5l/

Vídeo mostra Jean-Luc Mélénchon cumprimentando os eleitores da LFI após a vitória:



Comentários