Glenn Greenwald, o Intercept e as diferenças visões sobre a Vaza Jato!

Glenn Greenwald, o Intercept e as diferenças visões sobre a Vaza Jato! - Marcos Doniseti!
Laura Poitras, Glenn Greenwald e Ewen MacAskill (do 'The Guardian') recebem o Prêmio George Polk, que é entregue pela 'Long Island University' e que é um dos mais prestigiados dos EUA. 

Muitas pessoas estão debatendo a respeito das diferentes perspectivas sob as quais o Pepe Escobar e o Breno Altman estão analisando a divulgação dos arquivos, pelo Intercept Brasil, envolvendo a Lava Jato.

Entendo que eles fazem as suas análises sobre este fato com base em óticas totalmente diferentes e por isso é possível concluir que eles nunca irão concordar.

Pepe Escobar: Trump, o 'Deep State' e a Vaza Jato!

Pepe Escobar é um excelente analista que foca a sua atividade comentando e interpretando o cenário geopolítico global, principalmente os conflitos envolvendo os EUA, de um lado, e a China e Rússia, de outro lado.

Pepe elabora algumas hipóteses sobre aquilo que pode estar por trás do vazamento a respeito da Lava Jato, e a cujos arquivos o The Intercept Brasil teve acesso, em função dos interesses conflitantes envolvendo as grandes potências (EUA e Rússia, em especial). 

O que Pepe faz, portanto, é dizer o que poderia estar por trás do vazamento dos bastidores da operação Lava Jato e quais seriam os interesses envolvidos no mesmo. No entanto, ele deixa claro que não tem como afirmar que o vazamento  das informações sobre a Lava Jato seja obra de algum serviço secreto dos EUA (NSA ou CIA) ou da Rússia.

Pepe diz que isso pode ter acontecido e, daí, ele comenta sobre o que poderia estar por trás desta possibilidade.

Neste aspecto, em algumas coisas que o Pepe diz ele tem razão, sim, como o fato de que o governo do Bolsonaro é visto pelos EUA como sendo um desastre completo, sendo comandado por pessoas de baixo QI (subzoológico, como ele diz), e que mesmo economicamente esse governo está condenado ao fracasso, pois sequer consegue fazer a economia do país voltar a crescer e a criar novos empregos.

Pepe também aponta, corretamente, o fato de que a Lava Jato é uma operação que começou na época em que Obama era o Presidente dos EUA e a Hillary era a secretária de Estado, portanto, quando os Democratas governavam os EUA.

Assim, ele explica que os Democratas, corretamente, não possuem qualquer ligação com a Extrema-Direita brasileira, que é liderada por Bolsonaro e muito mais ligada aos interesses de Trump e de Steve Bannon (estrategista da campanha vitoriosa de Trump), que foi quem definiu e comandou toda a estratégia de campanha de Bolsonaro.

Assim, para o Pepe Escobar, o que pode estar acontecendo é que o chamado 'Deep State' dos EUA, que é dominado fortemente pelos Democratas, à Obama e aos Clintons (Hillary e Bill) teria decidido se livrar do Moro porque este já teria perdido a sua utilidade.

Logo, segundo Pepe, o Moro já teria feito aquilo que o 'Deep State' dos EUA queria: derrubou Dilma e prendeu Lula, enfraquecendo as forças Progressistas brasileiras, abrindo caminho para que as principais riquezas do Brasil (Pré-Sal, Embraer, Estatais) caíssem sob o domínio dos EUA.

Pepe também diz que, para o sistema financeiro e para as grandes corporações dos EUA o governo Bolsonaro está sendo um completo desastre, pois a economia brasileira está em Recessão e as grandes corporações dos EUA que atuam no Brasil estão tendo prejuízos com isso.

Resumindo: Pepe vê o conflito entre Vaza Jato X Lava Jato como sendo uma continuação dos conflitos que ocorrem nos EUA, entre os dois segmentos mais poderosos da política estadunidense (Trump X Democratas).

Logo, para Pepe Escobar, esta luta política que ocorre no Brasil seria resultado de um conflito político envolvendo interesses conflitantes entre os diferentes segmentos dos EUA.

É como se o duríssimo conflito entre Trump/Extrema-Direita X Deep State/Obama/Clintons, que ocorre nos EUA, tivesse se estendido e tivesse continuidade no Brasil.
O livro 'Os Arquivos Snowden' (de Luke Harding) informa que o governo britânico chegou a ameaçar com o fechamento do 'The Guardian', caso o mesmo continuasse divulgando os arquivos de Snowden que informavam a respeito das atividades ilegais do serviço de espionagem do Reino Unido (GCHQ), que atuava de forma conjunta com a NSA.

Breno Altman e a sua análise sobre a Vaza Jato!

Enquanto isso, o Breno Altman concentra a sua análise no cenário político interno, colocando tudo na perspectiva de uma luta envolvendo os interesses de classes existentes no próprio Brasil, envolvendo a Extrema-Direita, a Direita Tradicional e as Forças Progressistas. Ele age desta maneira porque procura analisar os fatos concretos, recusando-se a fazer especulações sobre o que pode estar acontecendo.  

Assim, Breno Altman procura tentar compreender os efeitos da Vaza Jato sobre o cenário político e social brasileiro, mostrando que as denúncias da Vaza Jato enfraqueceram o Moro, mas sem que este tenha sido destruído, até porque ele ainda conta com o apoio de Bolsonaro e de uma parcela significativa da Direita retrógrada que rejeitam Lula e o PT.

Portanto, para Breno, o Glenn Greenwald e o seu Intercept estão realizando, aqui no Brasil, aquilo que este brilhante jornalista sempre fez em toda a sua carreira, ou seja, um apurado e sério trabalho de denúncias de crimes cometidos por setores poderosos da máquina do Estado e que atuam nas sombras. Logo, ele vê a atuação de Greenwald e do Intercept sob o prisma do jornalismo e não da política.

Assim, Greenwald é um jornalista investigativo consagrado e multipremiado que teve acesso a um gigantesco lote de arquivos a respeito dos bastidores da principal operação política (a Lava Jato, é claro) que ocorreu no Brasil nos últimos anos. Breno entendo que Greenwald faz o seu trabalho sem se preocupar com as consequências políticas do mesmo.

Altman também entende que saber quem vazou os arquivos da Lava Jato não é relevante, pois ele concentra a sua análise nos fatos concretos e não em hipóteses ou teorias a respeito de quem estaria por trás do vazamento e de quais seriam os objetivos dos mesmos.  

O mais significativo, para Altman, é o conteúdo dos arquivos, que mostram que o julgamento de Lula e a maneira como a operação Lava Jato foi conduzida pela Força Tarefa e por Sérgio Moro se deu em função de interesses políticos e que a mesma desrespeitou os mais essenciais e básicos direitos legais do ex-Presidente Lula.

Para o Breno, Greenwald também está agindo corretamente em fazer parcerias (com Reinaldo Azevedo e com a 'Folha de S.Paulo') para divulgar os arquivos da Vaza Jato, pois aumenta o alcance das mesmas, atingindo um público mais amplo, inclusive de pessoas e empresas que sempre apoiaram a Lava Jato, tal como acontece com a própria 'Folha', aliás.

Breno também defende a importância do fato de que a 'Folha' avalizou, em sua primeira matéria feita em parceria com o Intercept, neste domingo (23/06/2019) a autenticidade dos arquivos que estão em poder do site jornalístico.

Portanto, Breno analisa a atuação de Glenn no caso da Vaza Jato como estando desvinculada deste cenário político global que o Pepe insere em sua análise e que é baseada mais em hipóteses a respeito dos interesses geopolíticos dos EUA. Breno se concentra no conteúdo e nos efeitos políticos do trabalho de divulgação dos arquivos que estão sendo publicados pelo Intercept, por Reinaldo Azevedo e pela 'Folha'.
'Citizenfour': Documentário premiado com o Oscar e que foi dirigido por Laura Poitras, que foi uma das jornalistas que divulgou as informações que constavam nos arquivos de Snowden.

Meus Comentários!

Greenwald não escondeu os arquivos mais sensíveis da NSA! Quem fez isso foi o próprio Snowden!

É importante ressaltar que Greenwald está atuando de forma cuidadosa no processo de divulgação dos arquivos, pelo Intercept, que é feita somente depois que é realizada uma avaliação criteriosa a respeito dos arquivos. Afinal, como jornalista experiente que é, ele sabe que se cometer um único erro acabará sendo massacrado pelo governo Bolsonaro e por Sérgio Moro.

É bom esclarecer, também, que Glenn sempre procurou fazer o mesmo quando trabalhava nos EUA, sendo que muitos anos antes de ser procurado por Snowden ele já escrevia textos denunciando as atividades ilegais da NSA. Aliás, foi justamente por isso que o Snowden o procurou, pois sabia que Greenwald não tinha medo de enfrentar o governo dos EUA e a NSA ou a CIA.

Na minha avaliação, Pepe pode até ter razão em alguns aspectos, como quando diz que Moro já teria feito o papel para o qual foi designado pelos EUA, mas discordo quando ele fala que o Glenn teria 'privatizado' os arquivos do caso Snowden e quando critica as alianças que ele fez (com Reinaldo Azevedo e com a 'Folha') para divulgar os arquivos.

Já li dois livros sobre o caso Snowden ('Sem Lugar Para se Esconder', do Glenn Greenwald, e 'Os Arquivos Snowden',  de Luke Harding, jornalista do 'The Guardian') e também assisti ao documentário 'Citizenfour' (de Laura Poitras), que ganhou o Oscar em 2015, e ao filme 'Snowden' (de Oliver Stone).

Na verdade, o que esses livros, o documentário e o filme mostram é que foi o próprio Snowden quem limitou o alcance das publicações a respeito dos arquivos que ele havia surrupiado da NSA.

Quando decidiu divulgar as informações relacionadas as atividades ilegais, Snowden deixou bem claro para Greenwald, Laura Poitras e para Ewen MacAskill (jornalista de confiança do 'The Guardian') que muitos dos arquivos em seu poder jamais poderiam vir a ser publicados, pois se isso acontecesse as vidas de muitas pessoas seriam colocadas em risco e a NSA seria destruída.

Snowden deixou claro que arquivos que continham os nomes de pessoas, que tivessem informações sobre operações da agência que ainda estavam em andamento e que possuíam informações detalhadas sobre as ações da NSA não poderiam ser divulgados. Estas foram as exigências que ele impôs para entregar os documentos para Greenwald, Laura e para Ewen.

Snowden agiu desta maneira porque, na condição de analista que prestava serviços para a agência, ele tinha acesso a documentos e arquivos que permitiam saber tudo o que a NSA fazia no mundo inteiro. E foram estes arquivos ele 'pegou emprestado' da agência.

'Sem Lugar Para se Esconder': Ótimo livro de Greewald que conta a história de como ele teve acesso e divulgou os arquivos fornecidos por Edward Snowden.

Logo, se Snowden permitisse a divulgação de todos os arquivos que estavam em seu poder o governo dos EUA teria que fechar a NSA, pois tudo o que ela fazia seria descoberto pelos serviços secretos de outros países (Rússia, China, Irã, etc) com os quais os EUA tem sérios conflitos.

Portanto, Snowdem não queria agir como Julian Assange e seu Wikileaks, que sempre publicavam tudo o que chegava às suas mãos, independente de quais seriam as consequências disso. Snowden chegou a dizer que se fosse para agir desta maneira, ele mesmo o teria feito.

Mas o que Snowden queria, e conseguiu, era que um jornalista sério, respeitado e corajoso, tivesse acesso aos arquivos, fizesse uma avaliação dos mesmos e selecionasse as informações mais relevantes. O seu objetivo era o de informar as pessoas a respeito das políticas ilegais e criminosas que a NSA tinha adotado, realizando uma espionagem global e uma vigilância indiscriminada e sem respeitar qualquer critério das pessoas, sendo que isso era feito tanto nos EUA, como nos outros países.

Assim, o que Snowden desejava era denunciar as políticas ilegais e criminosas da NSA,  provocando um debate público sobre as mesmas, para que tais políticas fossem abandonadas, e não destruir a agência. Foi por isso que ele disse, para Greenwald, Laura e Ewen que ele jamais forneceria a senha de acesso para os arquivos mais sensíveis e delicados, mesmo que fosse torturado.

E para facilitar o trabalho de divulgação dos arquivos de Snowden, o que ocorreu a partir de Junho de 2013, Glenn Greenwald (que era colunista do 'The Guardian') compartilhou os mesmos com outras publicações, incluindo o 'The New York Times' e com a revista alemã 'Der Spiegel'.

Aliás, essa prática de compartilhar os arquivos com outras publicações também era adotada por Julian Assange, que fez o mesmo quando teve acesso (em 2010) aos arquivos fornecidos por Bradley Manning (atual Chelsea Manning), que permitiu que os mesmos fossem publicados pelo 'The Guardian', 'The New York Times' e pela ''Der Spiegel'. 

Portanto, não é correto afirmar que Greenwald escondeu ou que privatizou os arquivos a respeito das atividades da NSA, impedindo que eles fossem divulgados. 

Quem agiu desta maneira e limitou o número de arquivos que poderiam ser publicados foi o próprio Snowden.

'Snowden', dirigido por Oliver Stone, é um ótimo filme a respeito do caso.


Link:

Greenwald, Laura e Ewen receberam o George Polk Awards em 2014:

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